domingo, 16 de agosto de 2009

Reflexões sobre o fator Marina da Silva

O ouriçamento da mídia dominante com a oferta de candidatura presidencial, feita pelo PV à senadora Marina da Silva, (PT-AC), dá uma ideia de como andam bicudos os tempos para o bloco oposicionista. "A operação Marina é coisa do Serra", teria dito o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a revista Veja. Resta saber se a senadora se prestará a esse papel.

Por Bernardo Joffily

A julgar pelo que sai na mídia, a candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente é líquida e certa. Há até uma fila para ser vice na sua chapa, encabeçada pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF).A própria Marina, quando fala, não alimenta tamanhas certezas. Diz que ainda não decidiu nada e estabelece etapas para a discussão: primeiro, sair ou não do PT; segundo, entrar ou não no PV; e terceiro, ser ou não candidata presidencial. Ela estaria ainda na primeira etapa, examinando o tema com seus companheiros do PT acreano.
Fatores que empurram a candidatura - Pesam a favor do projeto do PV os enormes os interesses em jogo na sucessão presidencial, e as igualmente volumosas as pressões para que Marina cumpra, em 2010, o papel que em 2006 coube à então senadora Heloísa Helena, do Psol: bater no governo, "pela esquerda". O objetivo declarado é quebrar o caráter plebiscitário do voto, e se possível levar a eleição para o segundo turno. Os analistas da oposição acreditam que, com a economia se recuperando do tombo de dezembro e a imagem do presidente inabalada, uma eleição que tenha como conteúdo o julgamento dos anos Lula será irremediavelmente perdida, seja pelo tucano José Serra, o anti-Lula, seja pelo tucano Aécio Neves, o pós-Lula. Um elemento de diluição do plebiscito seria portanto muito bem vindo por eles.
Pesam a favor da candidatura Marina as trombadas entre ela e a candidata do Planalto, Dilma Rousseff, nos seis anos em que as duas estiveram na equipe de ministros do governo Lula. A postulação presidencial seria então uma oportunidade para fazer o debate da relação ambientalismo-desenvolvimento, tema complexo e controvertido. Curiosamente, porém, são os partidos que mais abundam em ruralistas de motosserra em punho que assopram o plano do PV.
Uma particularidade do PT acreano, que está no governo estadual há três mandatos, também pode trabalhar a favor do projeto presidencial. No distante estado amazônico, que já fez parte da Bolívia e passou alguns anos como república independente, um século atrás, a polarização do PT nunca foi com o PSDB, mas com o PMDB. Os tucanos acreanos – uma seção pouco expressiva do PSDB – até se coligaram aos petistas para levar Jorge Viana ao governo em 1998.
Por fim, uma afirmação extemporânea do ex-ministro e influente petista José Dirceu, nesta semana, terminou também jogando água no moinho dos que querem Marina candidata, embora a pretexto de desencorajá-la. Em uma nota no seu blog, Dirceu deu a entender que, caso Marina mudasse de partido, o PT deveria ficar com o seu mandato no Senado. É o entendimento da jurisprudência firmada pelo TSE, em nome da fidelidade partidária. Mas é também a discussão que os assopradores da candidatura Marina pediram a Deus.
Fatores que contrariam a candidatura - Pesam contra a empreitada, em primeiro lugar, as convicções e os princípios sempre proclamados por Marina da Silva. Ela é sócioambientalista – corrente de pensamento que vincula a questão ambiental à social e defende o desenvolvimento econômico sustentado, divergindo do preservacionismo a todo custo. Essa visão, herdada de seu iniciador na política, Chico Mendes (1944-1988), levou Marina a sustentar uma posição crítica em relação aos partidos verdes em geral e ao PV brasileiro em particular. Este, que nunca primou pela coerência doutrinária, dispõe-se a abraçar as posições da ex-ministra para tel-la como candidata, mas é duvidoso que ela ponha fé nessa súbita conversão.Pesam contra, igualmente, os laços históricos de Marina com o PT e com Lula. Marina reluta em romper com o partido de toda a sua vida (embora só tenha se filiado formalmente em 1985), conforme tem confidenciado a interlocutores. Mais ainda porque a senadora não nasceu ontem. Com certeza não lhe escapa a consciência de que a ruptura, nas circunstâncias dadas, beneficiaria as forças do velho conservadorismo, por mais que fosse apresentada em nome da utopia.
A grande dificuldade está no PV - Não tenho motivos para duvidar da sinceridade e inteireza de Marina da Silva. Mas constato que elas estão submetidas a uma dura prova. E caso as pressões prevaleçam e Marina morda o fruto ofertado pelo PV? Nem por isso estaria dado que ela desempenhasse o script que dela esperam os assopradores de sua candidatura. O Acre é um estado pequeno, o 24 entre os 26 da Federação, com 0,3% da população e do eleitorado do país (440 mil eleitores). O PV é um partido pequeno, que em 2006 teve 3,6% dos votos para deputado federal (11 lugar) e ficado com 13 cadeiras. Terá portanto um tempo reduzido de TV na campanha, em torno de um minuto, dificultando a quebra do caráter plebiscitário e bipolarizado da campanha eleitoral.
Porém a grande dificuldade não reside aí e sim na natureza política concreta do PV existente hoje no Brasil. Embora no plano nacional, um de seus quadros ocupe o cargo de ministro da Cultura, com Gilberto Gil e mais tarde com Juca Ferreira, no plano local a legenda possui uma forte propensão pró-tucanos. Em São Paulo e Minas Gerais, forma a base dos governadores do PSDB. Dificilmente será outro o rumo das seções estaduais verdes em 2010.
Mais problemática ainda é a situação do PV-RJ, que gravita em torno da figura do deputado federal Fernando Gabeira. Nas eleições municipais de 2008, Gabeira concorreu a prefeito e foi o fenômeno verde do ano. No primeiro turno, teve mais de 800 mil votos, contra 2 milhões de todos os demais candidatos verdes no país, e 300 mil nas outras capitais, coligado com o PSDB. No segundo turno, granjeou também o apoio do DEM e dobrou essa votação. Ocorre que Gabeira é candidatíssimo a governador do Rio em 2010, novamente em aliança com o PSDB, apadrinhada por José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Depois de almoçar com Marina nesta quinta-feira, o deputado saiu estimulando a candidatura da ex-ministra mas deixando claro que seu compromisso com Serra presidente permanece.
Moral da história: a eleição de 2010 não se anuncia plebiscitária devido a um maquiavélico plano palaciano, mas sim porque o país está basicamente dividido em dois campos, o de Lula e o anti-Lula. A senadora Marina da Silva, antes de decidir se deixa o PT, entra no PV e concorre à Presidência, deveria explicitar qual desses campos é o seu.

fonte: www.vermelho.org

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