domingo, 6 de setembro de 2009

Eu e o Esperanto

"No entanto, é em Esperanto que consigo atingir muitos de meus objetivos pessoais a uma velocidade impressionante, que não me é dada em inglês em nenhuma outra língua. E eis aí a grande pergunta: a quê se deve isso?"

Você fala essa língua? Que estranho! Ninguém fala isso! Onde você usa? Qual a utilidade disso? Para que gastar tempo?…

É verdade. Eu falo nessa língua chamada Esperanto. Por quê? Sei lá… Talvez porque eu tenha sido criado num ambiente plurilíngue e isso tenha me despertado a curiosidade pelos idiomas. Talvez porque eu goste de desafios e das coisas que saem do tradicional e da rotina. Talvez porque a gramática totalmente construída da cabeça de um único homem tenha me fascinado, por ser uma maravilhosa peça de engenharia. Talvez porque há um sentimento inerente à língua e todos os que a aprendem passam a fazer parte de uma comunidade muito maior, que transpassa fronteiras, em mundos de guerra e paz, de amor e ódio, de intrigas e compreensões, de ceticismo e fé.

Ou talvez por uma reunião de tudo isso.

Perguntas como as acima sempre me foram feitas em meu mais de 25 anos de esperantismo. No ano passado (2008) fui entrevistado pelo jornal local, que gentilmente cedeu duas páginas na edição de domingo só para falar do Esperanto. E as opiniões foram, no mínimo, interessantes. As perguntas variavam desde a sátira sarcástica e impensada até a curiosidade sincera em avaliar se o produto realmente era tão bom quanto anunciado pelo jornal.

Com todos esses anos de Esperanto, não me preocupo mais se alguém me ofende só porque escolhi falar um idioma que “quase ninguém fala”. Oras, falo também em inglês, espanhol e japonês. Aliás, meu inglês e espanhol são quilometricamente melhores e fluentes que meu Esperanto, devo confessar. As razões para isso são várias e não preciso dizê-las aqui.

No entanto, é em Esperanto que consigo atingir muitos de meus objetivos pessoais a uma velocidade impressionante, que não me é dada em inglês em nenhuma outra língua. E eis aí a grande pergunta: a quê se deve isso?

Será que a “idéia interna” do Esperanto realmente une seus falantes em torno de um objetivo comum, o de unir as pessoas por meio de um instrumento neutro de comunicação eficaz, de relativamente rápido aprendizado, e que oferece a abertura de culturas até então tidas como inacessíveis ao estudante dessa língua?

Pode ser que sim. Embora a expressão “idéia interna” possa não ser adequada ao pensamento nuclear do Esperanto, é essa idéia que acaba predominando na maior parte das vezes. Explico.

O criador do Esperanto, Lázaro Luiz Zamenhof, um simpático senhor judeu polonês, que se estivesse vivo hoje estaria por completar seus 150 anos de vida, tinha como meta de vida poder oferecer à humanidade alguma coisa significante para que a paz mundial pudesse ser atingida. Como ele vivia num ambiente hostil, o desejo pela paz pode ser comparado ao nosso desejo brasileiro pela paz e pelo fim da marginalidade, do banditismo, do tráfico de drogas, dos assassinatos, dos estupros, dos pedófilos. A diferença é que na época dele, as mortes tinham cunho racial e algumas chegavam a ser até mesmo incentivadas pelos governos.

Ele percebeu que muitas intrigas e batalhas ocorrem por causa da má compreensão entre as partes, e que se todos pudessem conversar num único idioma, neutro entre ambos, isso poderia aliviar as tensões. A longo prazo, a paz mundial estaria garantida.

Dessa forma, aquele médico, que de linguista não tinha nada, tampouco era um cientista social renomado, foi dando vazão e vida à um projeto que ele ofereceria de presente à humanidade. Zamenhof não pensava nele, em sua fama pessoal ou na de seus descendentes. Sua obsessão era a paz. Só isso.

Foi justamente isso que o fez criar a “língua universal”. Tal sentimento é o que se chama de “idéia interna” do Esperanto, que alguns desejaram chamar de “papel solidarizador” ou “internacionalismo humanitário”. Não importa a expressão, o sentimento é o que vale.

Vejo atualmente centenas de projetos de idiomas, muitos dos quais baseados no próprio Esperanto. Alguns são até bons, no sentido meramente lingüístico. Mas nenhum, absolutamente nenhum de todas as centenas de línguas projetadas contém uma idéia interna. Seus criadores apenas desejam a fama, não pensam numa idéia de solidariedade, de humanização, de paz. Por isso, por mais interessante que sejam essas línguas projetadas, elas jamais decolarão.

Enquanto isso, o Esperanto vive desde 1887. Ele se transformou de língua projetada para língua viva! E hoje prospera! Somos nós quem envelhecemos e morremos. Ele, porém, segue seu caminho, com vários tropeços, é verdade, mas segue serenamente.

Não me importa se é usado no meio científico e religioso, no ambiente político ou anarquista, no meio literário ou técnico, com sentimento socialista ou capitalista. Não me apego a rótulos! Sou, antes de tudo, um falante do Esperanto e um apoiador da “idéia interna” proposta por Zamenhof. A única coisa que se há para lamentar é o fato de os próprios esperantistas não se darem conta do poderoso instrumento que eles têm nas mãos, mas isso é assunto para outro artigo.

Portanto, quando alguém me perguntar novamente “para que gastar tempo com o Esperanto?”, minha resposta será um singelo sorriso de piedade, porque a pessoa criticará algo que não sabe, nem provavelmente nunca saberá das vantagens que o Esperanto traz aos seus “loucos” falantes.

O problema será todo dela. Eu sei Esperanto e sou consciente do poder que ele traz a quem o fala e o conhece. Ponto para mim!

Fonte: http://filomatia.wordpress.com/


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