segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Obama demonstra que, apesar de todos os seus discursos “mudancistas”, não ousa tocar na mais tradicional coluna de sustentação da política externa dos

Obama demonstra que, apesar de todos os seus discursos “mudancistas”, não ousa tocar na mais tradicional coluna de sustentação da política externa dos EUA

O bloqueio econômico contra Cuba será mantido, anunciou o presidente Barack Obama, em 14 de setembro, contrariando a imagem de “mudança” projetada por ele próprio durante a campanha presidencial, assim como todas as suas mensagens, já como presidente, a propósito das supostas “novas relações” entre os Estados Unidos e a América Latina e o Caribe. Nada mudou, nem mesma a justificativa idiota para a manutenção do bloqueio, qualificado por Obama como “medida de interesse nacional”.


A decisão de prolongar o bloqueio não é uma medida isolada, um mero capricho do governo Obama. Nem pode ser explicada como uma simples concessão de Washington à máfia cubana organizada na Flórida (a mesma que, entre outras coisas, organizou a desastrada invasão da Baía dos Porcos, em 1961 e a bem sucedida fraude eleitoral responsável pela condução de George Bush júnior à Casa Branca, em 2000). Tampouco pode se justificar por razões militares: ninguém leva a sério a sugestão de que a pequena ilha possa ameaçar a segurança da superpotência.


O bloqueio a Cuba deve ser mantido por uma simples razão: Obama demonstra que, apesar de todos os seus discursos “mudancistas”, ele não ousa tocar na mais tradicional coluna de sustentação da política externa dos Estados Unidos, a doutrina anunciada em 1823 pelo presidente James Monroe, segundo a qual a América Latina e o Caribe são o “quintal” de Washington. A Doutrina Monroe permanece, ao longo dos séculos, como um inalterável fio de continuidade e de referência para os formuladores das estratégias de política externa de Washington.


A medida contra Cuba foi anunciada bem no meio de uma tempestade política que fez soar os tambores do desentendimento na América Latina. A tempestade foi desencadeada pelo acordo mediante o qual a Colômbia permite a instalação de bases militares dos EUA no país. Segundo Álvaro Uribe, o acordo tem por objetivo reforçar o combate contra o narcotráfico e as FARC, tendo como justificativa o recente fechamento da base militar dos Estados Unidos em Manta (Equador), por determinação do presidente Rafael Corrêa. Essa versão seria até defensável não fosse a intromissão de uma palavrinha mágica: energia (petróleo, biodiversidade, água, minérios etc.). E a Amazônia tem isso tudo de sobra.


Os Estados Unidos não estão dispostos a deixar que as riquezas da Amazônia escapem ao seu controle, especialmente após o fiasco no Iraque e no Afeganistão. De um ponto de vista histórico, a instalação das novas bases na Colômbia apenas dá prosseguimento a estratégias formuladas desde 1980, por um grupo de intelectuais e políticos estadunidenses de ultra-direita, que lançou o Documento de Santa Fé, contendo diretrizes que o então presidente Ronald Reagan deveria adotar para as Américas. O centro do documento é, precisamente, a defesa da Doutrina Monroe.


Fazia parte do grupo o historiador Lewis Tambs, depois indicado para o cargo de embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, e criador, nos anos 1980, da expressão “narcoterrorismo”.Em 1988, o Documento de Santa Fé II – uma estratégia para a América Latina na década de 1990 estabelecia claramente a suposta relação entre narcotráfico e subversão comunista. Preparava-se, então, a base doutrinária para justificar o envio de tropas primeiro para o Panamá (a “Operação Causa Justa” que, em dezembro de 1989, depôs o presidente Manuel Noriega), e depois para a Amazônia (com o Plano Colômbia, lançado em 1999, por Bill Clinton). A retórica do “combate ao narcotráfico” passou a ocupar o lugar anteriormente dado à “guerra aos comunistas” e serviu de justificativa para a ocupação militar da Amazônia.


Mas as coisas começaram a ficar muito complicadas para os Estados Unidos na América Latina, especialmente após o fracasso do golpe contra Hugo Chávez, em abril de 2002, e a eleição de vários governos “não confiáveis” – ainda que não sejam, exatamente, governos dispostos a uma ruptura radical com o imperialismo. É nesse contexto específico que a Colômbia de Álvaro Uribe ocupa um lugar especial. Do ponto de vista da Casa Branca, a Colômbia de Uribe joga, na América Latina, papel similar ao de Israel no Oriente Médio.


As constantes provocações do exército colombiano contra a Venezuela, o bombardeio totalmente ilegal do território equatoriano, em março de 2008, a pretexto de destruir as Farc e, agora, a disposição de permitir a instalação de bases militares estadunidenses no país demonstram que Uribe mantém com Washington as tais “relações carnais” um dia reivindicadas pelo patético ex-presidente argentino Carlos Menem. Ele é o homem indicado para fazer o “serviço sujo”.


Barack Obama nada fez para mudar esse quadro. Muito ao contrário. Com o seu aval, os Estados Unidos mantêm mobilizada a Quarta Frota, encarregada de “vigiar” a América do Sul. Além disso, apóia a Iniciativa de Mérida, equivalente ao Plano Colômbia para o México e a América Central, com a injeção de bilhões de dólares para forças militares e esquadrões da morte, “contra o narcoterrorismo”. Multiplica seus ataques verbais a Hugo Chávez – no mesmo estilo e tom adotado por George Bush –, e, finalmente, prolonga o bloqueio econômico de Cuba.


São sintomas graves da ofensiva ianque na América Latina e no Caribe. Mas também demonstram que a luta de classes está acesa em Nuestra América.

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