segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Info Leitura de uma intelectual de esquerda sobre a produção artística da cantora e compositora Pitty

Não é por acaso que Pitty é considerada a maior revelação do rock nacional. Depois da morte de Cássia Eller, preencheu sua lacuna com letras e músicas de muito valor, presenteando o público com uma produção de alta qualidade.

Explicitaremos algumas de suas letras, fazendo uma leitura de intelectual de esquerda que somos para comprovar este fato. Com dois CD’s gravados, Admirável Chip Novo e Anacrônico, Pitty demonstrou inteligência aliada a um extremo bom gosto que a coloca na vanguarda dos compositores que denunciam o sistema capitalista e sua perversidade, como fizeram anteriormente Renato Russo e Cazuza, além de cantar o amor, que não analisaremos porque não é o objetivo do artigo.

Começando pelo CD Admirável Chip Novo, destacaremos o que nos chamou mais atenção em suas músicas. Na primeira, que tem o CD, ela afirma que “alguém me desconfigurou, aonde estão meus olhos de robô? Eu não sabia, eu não tinha percebido, eu sempre achei que era vivo”, a nosso ver referindo-se ao capitalismo e à reificação existente no sistema. Continuando, confirma o fato dizendo: “Nada é orgânico (será que ela conhece Gramsci?) é tudo programado, e eu achando que tinha me libertado. Mas lá vêm eles e eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema”. Na segunda estrofe da letra há o refrão: “Pense, fale, compre, beba, leia, vote, não se esqueça, use, seja, ouça, diga, tenha more, gaste, viva; Não senhor, sim senhor, não senhor, sim senhor”. Esta letra denuncia a reprodução capitalista dos pressupostos à qual Althusser se refere à impossibilidade de romper (atualmente) as marras que o sistema produz nos homens, principalmente nesta época da “nova ordem mundial” em que o capitalismo praticamente se universalizou no mundo, com exceção de poucos países.

Na terceira música do referido CD, O Lobo, Pitty demonstra conhecer a Pré-história e a sua desintegração, que provocou a exploração, a desigualdade social e a guerra, sem esquecer o refrão de Hobbes “o homem é o lobo do homem”.

A alienação e a reificação capitalistas também são denunciadas na nona música, Só de passagem: “Eu sou o meu carro, eu sou o meu cabelo, ...”, “Nada me toca nem aprisiona... eu possuo muitas coisas e nada disso me possui”. Aqui Pitty demonstra conhecer Horkheimer e a sua análise da dominação capitalista, que diz que as mercadorias exercem um controle sobre os homens que é proporcional ao interesse que eles têm por elas, e ao mesmo tempo a compositora se coloca contra a situação vigente.

Do segundo CD, Anacrônico, destacaremos a quarta música, chamada Memórias, onde a compositora escreve: “eu fui matando os meus heróis (Ao nosso ver Marx, Engels, Lênin, etc.) aos poucos como se já não tivesse nenhuma lição para aprender... Eu quis me perder por aí... Memórias, não só memórias, são fantasmas que me sopram nos ouvidos coisas que eu não quero saber”, nessa letra Pitty denota a dificuldade dos jovens de buscar o rompimento do status quo, e ao mesmo tempo a recorrência dos ensinamentos dos grandes socialistas, que sempre vêm à tona na vida dos que têm consciência política, que nunca serão esquecidos e algum dia modificarão a realidade de exploração, miséria e violência sofridas pela maioria da população.


Maria Cristina Garcia

Doutora em História pela USP e Professora aposentada da UNESP

Fonte: http://inverta.org/jornal/edicao-impressa/439/cultura/leitura-de-uma-intelectual-de-esquerda-sobre-a-producao-artistica-da-cantora-e-compositora-pitty


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