sábado, 2 de janeiro de 2010

Idas e vindas

Adriano Belisário

Chegadas e despedidas marcaram o final de ano nas relações entre Brasil e os Estados Unidos, mas pouca coisa mudou. Apesar do falecimento do diplomata Lincoln Gordon, decisivo no apoio estrangeiro ao golpe militar de 1964, a nomeação de Thomas Shannon para a embaixada estadunidense mostra que não há muita renovação à vista, quiçá a prazo.

Shannon certamente não é nenhum canhoneiro, mas fez carreira durante o governo Bush lidando com a América Latina e teve papel crucial nas negociações da crise em Honduras. Apesar de inicialmente manifestar solidariedade com o presidente deposto Manuel Zelaya, Obama recuou e cedeu certo reconhecimento ao governo golpista. “O Partido Republicano condicionou o apoio a certos projetos a uma postura mais flexível com relação aos golpistas”, observa o cientista político hondurenho Carlos Dominguez.

Mas houve o tempo em que a potência do norte sequer estranhava os golpistas. Responsável por revelar ao mundo a Operação Brother Sam, movimentação bélica dos marines para apoiar a tomada de poder dos militares brasileiros, o jornalista Marcos Sá Corrêa considera que não foram as toneladas de armas americanas encaminhadas ao país que influenciaram a consumação instantânea do golpe naquele final de março de 1964.

“Todos os navios de guerra, munições e suprimentos foram desmobilizados antes de chegarem. Os militares são reconhecidos pelos EUA com Goulart ainda a caminho do Uruguai. Aquilo que seria algo demorado aconteceu em 24 horas. O que foi decisivo foi a política diplomática de apoiar o novo regime instantaneamente”, garante. Comandante deste pacto nos corredores da diplomacia, o embaixador Lincoln Gordon chegou a procurar Marcos Sá em Nova York para comentar seu trabalho. “Ele era muito cortês, nunca fez críticas ou queixas pesadas à reportagem, apenas achava que era uma ênfase exagerada. Uma questão muito mais de retórica do que de conteúdo”, relembra.

O jornalista descobriu o furo frequentando a casa de Paulo Castelo Branco, filho do primeiro presidente do regime de 1964. Ali, ao lado de poucos seletos, teve acesso ao arquivo da família sobre a conspiração militar e usava-o como matéria-prima para seus textos no Jornal do Brasil, onde trabalhava com Elio Gaspari. Em uma das visitas, ficou sabendo da existência de documentos recém-liberados em uma biblioteca em Austin, na Universidade do Texas, em Austin.

Apesar de o acervo estar totalmente desorganizado, Marcos Sá conseguiu notar logo uma uniformidade: as faixas azuis que marcavam os telegramas militares trocados com o Brasil sobre o golpe que se desenhava. “Tínhamos muito medo daquela papelada, tanto que decidimos publicar logo no primeiro final de semana depois da minha volta. Mas acabou que toda reação do governo que esperávamos não veio”, analisa. Passado um ano, Marcos voltou ao Texas para uma continuação das reportagens. “A história acabou sendo conhecida de trás para frente. Primeiro eu peguei golpe para depois ir aos antecedentes, que demonstraram a importância do papel do Gordon naquele momento”, descreve.

Curiosamente, depois, o próprio embaixador deu sinais de assombro com o monstro que alimentara. Uma coisa a se registrar a favor dele, destaca Marcos Sá Corrêa, é que, assim que o golpe começa a perder as supostas características de restauração da democracia, ele se queixa muito nas suas correspondências e recomenda que os Estados Unidos retirem o apoio incondicional ao regime. “É claro que a intervenção americana teve um peso colossal, mas William Waack fez um estudo semelhante nos documentos secretos do Kremlin, da União Soviética. É incrível o que se conspirava por lá em busca de intervenção no Brasil. Os papéis eram muito parecidos”, pondera.

Derrubada a influência soviética, resta hoje a política sorridente e duvidosa do governo Obama, que sustenta ações militares questionáveis na Colômbia e mantém ativa a Quarta Frota para patrulhar os mares da América Latina. “Alguns consideram que os avanços limitados do Obama na política internacional são devidos a uma excessiva influência e autonomia de Hillary Clinton. As promessas de cooperação realizadas na cúpula de Trindade e Tobago foram traídas. O Brasil e a América Latina deverão continuar trabalhando sob a perspectiva de solidariedade intra-regional, sem muita confiança no gelado vento do norte”, aposta Dominguez.

Fonte: http://rhbn.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2837


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