terça-feira, 31 de agosto de 2010

O fim do JB nas bancas: relembrando a “batalha” de 1982

O fim do JB nas bancas: relembrando a “batalha” de 1982

por Luiz Carlos Azenha

O Jornal do Brasil chegou às bancas hoje pela última vez. Presumo que tenha sido resultado de uma combinação de incompetência administrativa e concorrência desleal com a decadência relativa dos meios impressos por causa da internet. O modelo brasileiro de mídia é altamente concentrador, já que é escorado em relações de poder altamente concentradas. Você vai entender melhor se olhar naquela esquina do Congresso onde se cruzam os donos de terras, de cargos eletivos/públicos e dos meios de comunicação, especialmente das concessões de rádio e TV.

No Rio de Janeiro, especificamente, Paulo Henrique Amorim já descreveu (aqui) em detalhes como as Organizações Globo usaram seu poder eletrônico para detonar a concorrência: O Globo de domingo era destaque na programação de sábado da TV Globo, por exemplo. O JB foi uma das vítimas disso.

Os jornalistas, com certeza, vão se lembrar das grandes batalhas travadas pelo JB. Contra o regime militar, por exemplo. Ou, talvez a mais simbólica de todas, em 1982, nas eleições estaduais do Rio de Janeiro, quando Leonel Brizola enfrentou Moreira Franco.

Foi o ano do escândalo da Proconsult, empresa encarregada pelo TRE de totalizar os votos. Ano de pesquisas eleitorais distorcidas. De manchetes em choque. Moreira Franco tinha o apoio das Organizações Globo. Brizola contou com os jornalistas da rádio Jornal do Brasil e do JB para evitar a fraude.

No livro “Mídia: Crise política e poder no Brasil”, de Venício A. de Lima, o episódio é descrito assim:

Leonel Brizola era, em 1964, o mais controvertido dos políticos contra quem se voltaram os militares. Exilado, voltou ao país com a anistia de 1979. Em 1982 candidatou-se ao governo do Rio de Janeiro, um dos estados politicamente mais importantes do país.

A candidatura de Brizola não agradava ao regime militar e muito menos à RGTV, que tinha outras preferências, conforme revelou o ex-diretor da sua Divisão de Análise e Pesquisas, Homero Sanchez, em famosa entrevista publicada em maio de 1983. Sanchez, que à época da entrevista já não pertencia mais à RGTV, demitido que foi em consequência da sua ação como conselheiro informal de Brizola durante as eleições, revelou com detalhes o papel que a RGTV desempenhou na tentativa frustrada de se fraudar a eleição no Rio de Janeiro para impedir a vitória de Brizola.

Conforme a versão de Sanchez, Roberto Irineu Marinho, filho de Roberto Marinho e um dos quatro homens fortes das OG, havia assumido compromisso com o partido de sustentação do regime autoritário, cujo candidato era Wellington Moreira Franco. Segundo Sanchez, ao assumir tais compromissos, há indícios de que Roberto Irineu Marinho tenha se associado implicitamente ao esquema fraudulento montado para impedir a eleição de Brizola. Esse esquema consistia em iniciar as apurações pelo interior, onde era majoritário o partido do governo, criando a ilusão de uma iminente derrota do político anistiado. Era parte central desse esquema a empresa encarregada de processar a contagem dos votos — a Proconsult –, cujo principal programador era um oficial da reserva do Exército. A Proconsult havia desenvolvido um programa capaz de subtrair votos de Brizola e adicionar votos para Moreira Franco. Ao divulgar apenas os resultados da apuração oficial, a RGTV, líder de audiência, seria vital para o sucesso da fraude, pois emprestaria credibilidade aos falsos resultados que iriam aos poucos sendo fabricados.

O que não estava nos planos dos organizadores do esquema fraudulento, todavia, era o desenvolvimento de um serviço próprio de apuração, a partir dos boletins emitidos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Este serviço foi organizado pelo jornal concorrente de O Globo, o Jornal do Brasil, justamente com suas duas prestigiadas emissoras de rádio AM e FM — representando interesses tanto comerciais como políticos em conflito com os das OG. Com isso, eram apresentados resultados parciais totalmente diversos dos veiculados pela RGTV. Já alertado para a fraude, Leonel Brizola orientou seu partido a desenvolver trabalho paralelo de apuração, utilizando-se de um computador próprio. Essas providências contribuíram para a descoberta da trama, denunciada depois por vários outros órgãos de imprensa (Veja, 1982b).

Ao mesmo tempo, constatada a possibilidade de fraude nas eleições para governador de um dos estados politicamente mais importantes do país, criava-se um clima de perplexidade na opinião pública, pois o candidato Leonel Brizola havia sido votado maciçamente na capital, ao contrário do que a RGTV mostrava.

Embora a entrevista citada de Homero Sanchez seja muito rica em detalhes sobre o envolvimento da RGTV na tentativa de fraude, vale destacar o seguinte trecho:

“O Brizola perguntou o que eu achava. Eu disse: ‘Está parecendo fraude’. [Pergunta do Brizola]: ‘O que tu acha que devo fazer?’ [Resposta]: ‘Bota a boca no mundo. Essa é a atitude que eu tomaria se fosse você, como candidato. Bota a boca no mundo’. Brizola inclusive me perguntou se devia falar com a TV Globo. ‘Nesse momento’ — eu disse para ele — ‘não te convém falar com a TV Globo porque lá agora toda a questão da apuração está sob as ordens de Roberto Irineu e ele acredita que pode eleger o Moreira Franco de qualquer maneira. Eu não te aconselharia a fazer isso’. Então ele procurou a TV Bandeirantes nesta mesma quarta-feira à noite.”

À época, o episódio mereceu a devida repercussão na mídia. Editorial da Folha de S. Paulo, por exemplo, afirmava:

“O verdadeiro fiasco em que se envolveu a Rede Globo de Televisão durante a fase inicial das apurações no Rio de Janeiro torna ainda mais presentes as inquietações quanto ao papel da chamada mídia eletrônica no Brasil [...]. Houve uma tentativa grave e inédita, posta a efeito pela maior cadeia de TV do país, no sentido de turvar o resultado das apurações e enfraquecer politicamente o candidato da oposição pedetista ao governo fluminense” (Folha de S. Paulo, 1982).

Quatro anos depois, o jornalista Luiz Carlos Cabral, que era um jovem editor de notícias da TV Globo no Rio de Janeiro quando ocorrreram as eleições de 1982, veio a público e relatou o que sabia acerca do esquema fraudulente. Ele disse:

“O papel da Globo no escândalo Proconsult foi preparar a opinião pública para o que ia acontecer — o roubo dos votos de Brizola para beneficiar a Moreira Franco. Não posso dizer de quem vieram as ordens [para distorcer os resultados], embora todos nós soubéssemos por intruição… As notícias da fraude estavam pipocando por toda a parte. Começamos a cobri-las. Esta era a nossa [dos jornalistas] oportunidade. Mas nada foi ao ar. Ordens superiores proibiram qualquer notícia sobre a fraude”. (Cabral, 1986).

A vitória de Brizola foi finalmente reconhecida e ele tornou-se governador do estado do Rio de Janeiro em março de 1983, mas seus problemas com as OG estavam longe de acabar. Durante seus quatro anos de governo, teve que enfrentar a forte oposição de Roberto Marinho. Brizola não foi capaz de assegurar a eleição de seu sucessor em 1986. Moreira Franco foi de novo o candidato da RGTV, agora apoiado pelo partido que havia conquistado o controle do governo federal em março de 1985. Ele ganhou as eleições, concorrendo contra, entre outros, Darcy Ribeiro, o candidato de Brizola, que atribuiu o fracasso da candidatura à permanente campanha da RGTV contra o seu governo.

Em entrevista concedida ao The New York Times, Roberto Marinho admitiu:

“Em um determinado momento, me convenci de que o sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a cidade maravilhosa que é o Rio de Janeiro em uma cidade de mendigos e vendedores ambulantes. Passei a considerar o sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente usei todas as possibilidades para derrotá-lo na eleição”. (Riding, 1987).

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