segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dilma e as declarações sobre o Irã

A questão dos direitos humanos no Irã engana todo mundo. O repórter do Washington Post, na entrevista com Dilma, foi direto ao ponto: por que o Brasil apoia um país que permite o apedrejamento de pessoas e o encarceramento de jornalistas? Os ativistas ficam perdidinhos. Outro dia mesmo eu lia um blogueiro famoso de São Paulo, presidente de ONG de direitos humanos, e quase senti pena ao vê-lo se contorcendo, condenando a posição do Brasil na última votação da ONU, que foi de se abster de condenar o Irã, e ao mesmo tempo lembrando que outros países, como EUA e China, também registraram votos nada politicamente corretos nos últimos anos.

A questão central envolvendo o Irã, porém, não são os direitos humanos. É a guerra. Com o vazamento de documentos secretos do governo americano, temos agora muito mais informações para afirmar que há um grande lobby para a deflagração de mais um conflito no Oriente Médio: a guerra contra o Irã.

Se você olhar para um país devastado por uma guerra, verá que ela é, de longe, o maior pesadelo para os direitos humanos.

Na verdade, cria-se uma série de clichês baratos para satanizar o Irã. Não é verdade que seja um país onde se deixa “apedrejar” pessoas. O Irã tem uma Constituição e o apedrejamento não consta dela. O apedrejamento pertence a uma lei tribal antiquíssima, que os juristas do país tentam há séculos enterrar. Há anos que ninguém é apedrejado por lá. A Sakineh, por exemplo, não será mais apedrejada.

Não é fácil governar um país como o Irã, com uma população vítima de preconceitos milenares. O linchamento, por exemplo, era comum em várias sociedades antigas. Até hoje, vemos casos no Brasil de linchamento. No Irã, a sociedade tratou de legalizar esses surtos populares, com vistas a dar-lhes um verniz jurídico. Não se esqueçam que falamos de povos que já tiveram leis infinitamente mais cruéis, quase inacreditáveis. Mas é uma coisa que está em processo de extinção no país; é tremendamente injusto, portanto, pespegar no Irã esse rótulo barato de “país que apedreja mulheres”.

A questão, além disso, não é “apoiar” o Irã, ou defender Ahmadinejad. O Washington Post é um jornal notoriamente vinculado ao lobistas da guerra. E nossa mídia não passa de subsidiária da mídia americana, vide que as agências de publicidade muitas vezes são as mesmas, ou coligadas.

As manchetes da Folha são, para variar, enganosas. Dilma não disse exatamente que foi contra a votação do Brasil e sim contra a maneira como foi feita, ou seja, sem um minucioso esquema de comunicação. E se ela quis dizer que o Brasil deveria votar contra o Irã, não concordo com ela. O Brasil, a meu ver, não apenas agiu certo em se abster como deveria ter sido mais assertivo e votado contra. A Assembléia Geral da ONU não tem nada que emitir juízo sobre o Irã, porque, se fosse assim, teria que condenar o mundo inteiro, onde se observam abusos muito piores do que os vistos no Irã, a começar pelo Brasil, onde há crianças desfilando famintas e drogadas pelas ruas. A ONU tem uma comissão de direitos humanos, onde trabalharm grandes especialistas no assunto, que lutam para dirimir as injustiças sem estardalhaço e sem ferir a soberania de cada país; é aí que devem ser debatidos os assuntos relativos a esse tema, e não na Assembléia Geral.

Por outro lado, entendo que Dilma foi simplesmente astuta, pois entendeu muito bem para que público estava se dirigindo: leitores do Washington Post, ou seja, o público mais envenenado do mundo contra o Irã, com a cachola repleta de clichês. Dilma agiu como a ferradura, depois de Lula ter desempenhado o papel do cravo, e com isso fez uma dobradinha inteligente com o Itamaraty, que anda com fama de “antiamericano” nos círculos eternamente irritados da Casa Branca.

Já expliquei por aqui minha posição sobre o Irã: eu sou um ocidental, cristão, ateu, pinguço, desbocado e fã de mulheres livres e com personalidade forte. Não tenho nada a ver com o Irã, portanto. Gosto de ver mulheres de microssaia e não com burcas ou vestimentas pesadas cobrindo-lhe os corpos.

Mas não pretendo impor meu jeito de ser aos iranianos, assim como não vou invadir uma missa evangélica e proferir insultos contra o pastor e os fiéis.

A questão do Irã, repito, é a guerra.

Fui ler mais sobre o assunto e topei com esse artigo recente do Chomsky, publicado no site da revista Forum, em que o linguista denuncia as articulações de setores políticos dos Estados Unidos para deflagrar um ataque ao país – e não apenas instalações nucleares mas também sobre alvos civis.

E porque os EUA atacariam o Irã?

Ora, porque o Irã tem a segunda maior reserva de petróleo do mundo! Tem inclusive muito mais que o Iraque!

Com os vazamentos do Wikileaks, ficamos sabendo que a situação era ainda mais perigosa do que supunhamos. Vários líderes do oriente médio, interessados numa guerra que produzisse outra explosão nos preços do petróleo, tem insistido junto à Casa Branca para atacar o Irã.

Enfim, os direitos humanos são algo sagrado, e por isso mesmo é preciso evitar uma guerra. A guerra é o pior atentado que se pode fazer aos direitos humanos no Irã. Aí não veremos um jornalista preso, uma mulher ser enforcada – veremos milhões de pessoas mutiladas, torturadas, mortas.

Aqui no Brasil, temos amplos setores da opinião pública totalmente alienados quanto ao que está em jogo no Irã. A começar pela grande mídia, onde mesmo medalhões inteligentes, como Janio de Freitas, parecem tratar a questão como se não existissem fatores geopolíticos extremamente complexos.

A história ainda mostrará que a intervenção de Lula e do primeiro ministro turco ajudaram talvez a evitar (ou adiar, ao menos) uma guerra que teria consequências terríveis para toda a humanidade. A indústria bélica anda deprimida porque a crise financeira mundial reduziu a disposição dos contribuintes de continuar assinando altos cheques para patrocinar orçamentos militares colossais. Nada mais conveniente, portanto, do que produzir um novo inimigo, que desperte medo e ódio suficientes para persuadir a opinião pública a defender a guerra, nem que seja uma guerra fria, voltada apenas para a exibição de força.

As pessoas que defendem os direitos humanos do Irã costumam ser as mesmas que fecham os olhos para as violações diárias dos direitos das crianças pobres do Brasil, vide o silêncio que fazem sobre a cracolândia…

Dilma manteve Marco Aurélio Garcia no governo; ele lhe explicará muito bem o que está em jogo. Por enquanto não faz mal umas declarações para acalmar o Tio Sam. Um tapinha não dói e o Irã sabe o preço alto que o Brasil paga por manter sua posição independente. De qualquer forma, é óbvio que todos somos contra apedrejar mulheres e prender jornalistas. Os persas de fato tem problemas graves de direitos humanos, mas deixemo-los resolverem por conta própria. Não é fazendo como se fez no Iraque, ou seja, destruindo a infra-estrutura do país, matando milhares de civis e roubando-lhe o petróleo, que iremos ajudá-los.

Na entrevista de Dilma ao Washington Post há outro trecho importante, que contextualiza as declarações da presidente eleita em relação ao Irã e que nossa mídia, tentando como sempre criar confusão ao mostrar a presidenta como contrária à política externa de Lula, não deu destaque:

O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política – de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e do desastre que foi a invasão ao Iraque. Não conseguimos construir a paz, nem resolver os problemas do Iraque. Hoje, o Iraque está em guerra civil. Todos os dias, morrem soldados dos dois lados. Tentar trazer a paz e não entrar em guerra é o melhor caminho.

Ou seja, Dilma está consciente de que é preciso construir a paz. Setores poderosos nos EUA, os mesmos que assinam e financiam o Washington Post, ainda querem guerra – não por outro motivo a entrevista inicia tentando botar a nossa presidente contra a parede. O silogismo vulgar – é contra apedrejamento de mulheres? então seja contra o Irã e vote contra ele na ONU – esconde a movimentação sinistra de forças extremamente poderosas que pretendem fazer do Irã a bola da vez. Motivos é que não faltam, visto que uma guerra contra um país rico em petróleo faria a felicidade tanto da indústria bélica como da indústria do petróleo, os dois pilares financeiros do conservadorismo político dos Estados Unidos – e do mundo.

Fonte: http://gonzum.com/?p=782

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