quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tiradentes: a construção de um herói republicano

Décio Villares. Tiradentes, 1928

Paula de Almeida Franco
Dia 21 de abril é mais conhecido como o dia da morte de Tiradentes, um importante herói republicano que foi enforcado em 1792, cujo feriado é atribuído em sua homenagem. Mas quais foram as razões da adoção de Tiradentes como herói republicano?
Antes de respondermos essa pergunta é preciso ter em mente qual o significado de um herói. Heróis são símbolos de identificação coletiva, ou seja, são aquelas pessoas reconhecidas através de seus feitos, por um país ou região, ocorrendo, entre eles, uma identificação. É possível pensar em uma nação que não tenha heróis? Já adianto a resposta dizendo que não, pois os heróis são fortes instrumentos para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos em prol da legitimação de um regime político, assim, não há nação sem o seu respectivo herói.
Existem dois tipos de herói: aqueles que surgem espontaneamente das lutas realizadas e aqueles de menor impacto popular e que, portanto, tiveram um empurrãozinho para a promoção da figura. É nesse último perfil que se encaixa o nosso herói Tiradentes.
Mas se o herói era republicano, por que não eleger aqueles que fizeram parte do movimento da Proclamação? Em primeiro lugar, podemos apontar o que já foi discutido no post sobre este tema: os envolvidos foram uma pequena parcela da população, a maioria simplesmente assistiu ao que estava acontecendo. Em segundo, Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Floriano Peixoto eram figuras que sofriam lacunas no quesito herói, pois não tinham espírito de líder, ou não tinham aparência física e comportamento carismático.
Pouco se sabe sobre a memória de Tiradentes, pois a documentação é escassa. Sobre o dia do seu enforcamento existem dois relatos que apontam a multidão presente em compaixão com o réu prestes a morrer. O sentimento de que a pena fora excessiva e injusta se alastrou pelas cidades vizinhas de Vila Rica. Além disso, a literatura brasileira contribuiu também para divulgar o acontecimento. Castro Alves escrevera: “Ei-lo, o gigante da praça,/ O Cristo da multidão!/ É Tiradentes quem passa…/ Deixem passar o Titão.”

Pedro Amério. Tiradentes esquartejado, 1893.

O primeiro conflito político envolvendo a memória de Tiradentes ocorreu em 1862. Nesta data o governo queria inaugurar no local onde fora enforcado Tiradentes, uma estátua de D. Pedro I, que o condenara à morte. Na ocasião houve manifestação dos liberais com a publicação de um folheto dizendo que Tiradentes foi o primeiro mártir que morreu pela pátria e que foi responsável por levar o povo brasileiro à “salvação”.
Outro episódio que contribuiu para a construção da imagem de Tiradentes foi o que se sucedeu à publicação da obra de Joaquim Norberto de Souza Silva, História da Conjuração Mineira. Norberto teve acesso a documentos nunca antes estudados sobre a Inconfidência e apontou Tiradentes como figura secundária no movimento. Essa revelação inquietou as pessoas, principalmente os republicanos que chamaram Norberto de monarquista convicto.
Independente da sua posição política o que mais causou irritação foi ele ter discorrido sobre as transformações na personalidade e no comportamento de Tiradentes durante o tempo em que este ficou preso. Segundo Norberto, o isolamento, os repetidos interrogatórios e a ação dos frades franciscanos fizeram com que o seu ardor patriótico se transformasse em altar de sacrifício. Os republicanos protestaram, pois negavam a idéia de que Tiradentes beijara as mãos e os pés do carrasco, que havia caminhado até a forca com um crucifixo no peito, ou seja, negavam a idéia de que Tiradentes tivesse perdido o seu impulso e rebeldia patriótica. Porém, diminuir a sua importância dentro do movimento inconfidente era aumentar a participação de Tomás Antônio Gonzaga, representante da elite brasileira. Logo o apelo popular de Gonzaga não era de mesmo impacto que o de Tiradentes e, portanto, estava longe de representar a nação.
A partir da publicação de Norberto, intensificaram-se as alusões de Tiradentes com Cristo. Ter sido traído e morto por lutar pela salvação do povo/pátria foram características presentes na vida dessas duas figuras. A partir daí as representações imagéticas foram cada vez mais se assemelhando.
Dessa forma, Tiradentes estava cada vez mais presente no imaginário dos brasileiros, e aos poucos todos iam se identificando com esse homem. Começaram a ligar Tiradentes às principais transformações pelas quais passava o país: a Independência, a Abolição e a República. A sua aceitação veio, assim, acompanhada de sua transformação em herói nacional, mais do que em herói republicano. Ele unia o país através do espaço, do tempo e das classes. Para isso, sua imagem precisava ser idealizada e a falta de documentos contribuiu para que esse processo fosse tranqüilo.
Aos poucos todos os regimes e movimentos políticos se apropriaram de alguma forma da imagem de Tiradentes. O governo republicano declarou o dia 21 de abril feriado nacional e, em 1926, construíram a estátua em frente ao prédio da Câmara. O governo militar em 1965 o declarou patrono cívico da nação brasileira e mandou colocar retratos seus em todas as repartições públicas. Durante o Estado Novo foram representadas peças teatrais, com apoio oficial, exaltando o herói. Nessa época também houve uma tentativa em modificar a representação tradicional. José Walsht Rodrigues pintou Tiradentes como alferes, um herói cívico e um militar de carreira. Tentativa falha, pois até hoje quando pensamos em Tiradentes, o ligamos com aquela imagem barbuda, serena, imortalizada assim como a imagem de Cristo.

José Walsht Rodrigues. Alferes Joaquim José da Silva Xavier, 1940.

Como podemos perceber, desde o enforcamento de Tiradentes, a sua imagem e a sua história foram sendo recontadas por diferentes grupos. Os republicanos foram aqueles que mais se apropriaram e incorporaram no seu discurso a importância de Tiradentes na história brasileira, apontando-o como o principal responsável pela “salvação” do povo, para que nem ele e nem a república fossem esquecidos: missão cumprida!
Dica:
Texto baseado no livro de CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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