Lei paulista que autoriza venda de 25% dos leitos do SUS a planos de saúde será julgada na próxima terça
publicado em 10 de maio de 2012 às 13:56
por Conceição Lemes
Importante batalha para o futuro do Sistema Único de Saúde (SUS) vai
ser decidida na próxima terça-feira, 15 de maio, no Tribunal de Justiça
de São Paulo (TJ-SP).
Os desembargadores José Luiz Germano, Cláudio Augusto Pedrassi e Vera
Angrisani julgarão, da Segunda Câmara de Direito Público do TJ-SP,
julgarão o recurso do governo paulista contra a decisão do juiz Marcos
de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que derrubou a lei nº
1.131/2010.
A Lei da Dupla Porta, como é conhecida, permite aos hospitais
públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) vender 25% dos
seus leitos e outros serviços a planos privados de saúde e particulares.
“A lei 1.131/2010 lesa o direito do cidadão à saúde. É a
terceirização-privatização da saúde em São Paulo”, denuncia o médico
pediatra e de Saúde Pública Gilson Carvalho, que convoca entidades de
saúde e sociedade civil. “Ajamos já contra a usurpação de 25% dos
serviços dos SUS para servir às organizações sociais.”
“Esperamos que os desembargadores decidam pela defesa da população
usuária do SUS e não permitam a destinação de leitos do SUS a
particulares e usuários de planos de saúde”, defende o médico Renato
Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de
São Paulo (Cremesp). “Os contratos entre operadoras de planos de saúde e
OSs que administram hospitais estaduais poderiam, com respaldo da ‘lei
da dupla porta’, privilegiar a assistência aos pacientes de convênios e
particulares, em detrimento dos usuários do sistema público.”
“A lei 1.131/2010 é injusta, inconstitucional, vai contra a ética
médica e está errada do ponto de vista ético-social”, acrescenta
Azevedo. “Fatalmente ela levará à dupla fila; será uma forma dos pacientes particulares e de planos de saúde furar a fila no SUS.”
Pela “porta 1”, entram os usuários do SUS. Pela “porta 2”, apenas os
conveniados e particulares. O argumento dos defensores da dupla-porta é
que o pagamento dos serviços ajudaria a pagar a conta dos doentes do
SUS.
A questão é que, nas mesmas instituições públicas, pacientes SUS têm
diagnóstico e tratamento mais tardios do que conveniados ou particulares
para males idênticos. E aí está x do problema, até porque esses
hospitais foram construídos com recursos do SUS.
“A lei A lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas,
tira dos mais pobres para dar às empresas privadas de saúde e aos mais
abastados”, denuncia o médico Arthur Chioro, presidente do Conselho de
Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP) e
secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. “Reduz em
até 25% a capacidade dos hospitais públicos que hoje já é insuficiente
para atender aos usuários do SUS. É uma afronta às constituições
estadual e federal. É uma lei anti-SUS [Sistema Único de Saúde]. Os planos de saúde vão economizar e paulistas pagarão a conta.”
A Lei da Dupla Porta é o maior ataque desferido contra o SUS desde o
PAS [Plano de Atendimento à Saúde], do Maluf, que, da mesma forma,
entregou os serviços públicos ao setor privado.
SERRA, GOLDMAN E ALCKMIN CONTRA O CLAMOR DA SOCIEDADE CIVIL
Teoricamente as OSs são entidades filantrópicas. Só que, na prática,
funcionam como empresas privadas, pois o contrato é por prestação de
serviços.
A lei de OSs, de 1998, estabelecia que apenas os novos hospitais
públicos do estado de São Paulo poderiam passar para a administração das
OS. Porém, uma lei de 2009, do então governador José Serra (PSDB),
derrubou essa ressalva. Ela permite transferir às OSs o gerenciamento
de todos os hospitais públicos do estado.
Em 2010, a lei 1.131 do então governador Alberto Goldman (PSDB),
aprovada pela Assembleia Legislativa paulista autorizou os hospitais
gerenciados por OSs a vender 25% dos seus leitos dos SUS privados de
saúde e particulares. Em julho de 2011, ela foi regulamentada pelo atual
governador Geraldo Alckmin (PSDB) e passou a valer.
Só que, em agosto de 2011, atendendo à representação de mais de 50
entidades da sociedade civil, o Ministério Público do Estado de São
Paulo (MPE-SP), por meio dos promotores de Justiça Arthur Pinto Filho e
Luiz Roberto Cicogna Faggioni, da Promotoria de Justiça dos Direitos
Humanos – Área de Saúde Pública, deram entrada na Justiça de ação civil
pública contra a Lei da Dupla Porta, com pedido liminar.
O juiz Lima Porta acatou a representação do MPE-SP e concedeu a
liminar, proibindo a venda de 25% dos serviços do SUS a planos privados
de saúde. A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo recorreu da
decisão, mas o desembargador José Luiz Germano negou o agravo. Alguns
trechos da decisão histórica, que na próxima terça-feira será julgada.
“A saúde é um dever do Estado, que pode
ser exercida por particulares. Esse serviço público é universal, o que
significa que o Estado não pode distinguir entre pessoas com plano de
saúde e pessoas sem plano de saúde. No máximo, o que pode e deve ser
feito é a cobrança contra o plano de saúde. Para que isso ocorra já
existem leis permissivas…”
“A institucionalização do atendimento aos
clientes dos planos particulares, com reserva máxima de 25% das vagas,
nos serviços públicos ou sustentados com os recursos públicos, cria uma
anomalia que é a incompatibilização e o conflito entre o público e o
privado, com as evidentes dificuldades de controle”.
“O Estado pretende que as organizações
sociais, em determinados casos, possam agir como se fossem hospitais
particulares, mesmo sabendo-se que algumas delas operam em prédios
públicos, com servidores públicos e recursos públicos para o seu
custeio! Tudo isso para justificar a meritória iniciativa de cobrar dos
planos de saúde pelos serviços públicos prestados aos seus clientes?
Porém, é difícil entender o que seria público e o que seria privado em
tal cenário. E essa confusão, do público e do privado, numa área em que
os gastos chegam aos bilhões, é especialmente perigosa, valendo apena
lembrar que as organizações sociais não se submetem à obrigatoriedade
das licitações nas suas aquisições”.
“O paciente dos planos de saúde tem a sua
rede credenciada, que não lhe cobra porque isso já está embutido nas
mensalidades. Se ele precisar da rede pública, poderá utilizá-la sem
qualquer pagamento, mas sem privilégios em relação a quem não tem plano.
A criação de reserva de vagas, no serviço público, para os pacientes de
planos de saúde, aparentemente, só serviria para dar aos clientes dos
planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde:
distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adicional,
mordomias ou outras coisas do gênero”.
Em tempo 1. Entre as entidades que estão contra a
Lei da Dupla Porta, figuram: Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho
dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP),
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp),
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco),
Associação Paulista de Saúde Pública (APSP), Centro Brasileiro de
Estudos da Saúde (Cebes), Conselho Regional de Serviço Social de São
Paulo - Cress SP, 9ª Região, Fórum das ONG Aids do Estado de São Paulo,
Grupo de Incentivo à Vida (GIV), Grupo Pela Vidda-SP, Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Nacional dos
Médicos Residentes (Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa),
Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN)
e Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).
Em tempo 2. Se os usuários de planos de saúde acham
que o problema não lhes diz respeito, pois acreditam que serão
atendidos nesses hospitais de excelência e alta complexidade, sinto
desapontá-los.
Primeiro, nem todos os planos serão aceitos. A tendência é os
contratos serem fechados com os planos melhores; os demais, ficarão a
ver navios, como já acontece nos hospitais públicos de ensino que
atendem convênios e particulares.
Segundo, hoje, vocês têm condições de arcar com os custos de um bom
plano. Mas quem garante que amanhã continuará a ter? Todos nós estamos
sujeitos às trombadas da vida, portanto pensar solidariamente hoje nos
que precisam, pode beneficiar vocês, mesmos, no futuro.
Fonte: http://www.viomundo.com.br/denuncias/lei-paulista-que-autoriza-venda-de-25-dos-leitos-do-sus-a-planos-de-saude-sera-julgada-dia-15.html
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