Famoso "brasilianista" revelou a informação a Folha de S.Paulo. Historiador vive em asilo americano desde 2009.
Decano dos
brasilianistas, o americano Thomas Elliot Skidmore, 80, recorre às suas
lembranças do Brasil para tentar retardar a perda da própria memória.
Padecendo de Alzheimer em estágio inicial e de síndrome do pânico, o
historiador está retirado da vida pública desde novembro de 2009, quando
deixou de andar e se mudou para um discreto asilo no interior dos EUA.
Alojado em um quarto dividido para dois pacientes, Skidmore no momento
está só. Mas ele prefere assim, já que se relaciona apenas com as
enfermeiras. Elas também parecem gostar dele.
No local, tudo remete ao Brasil --fotos na parede, livros, diplomas, cartazes de conferências e souvenirs.
A Folha teve
acesso exclusivo ao local, em Westerley, cidade de 20 mil habitantes em
Rhode Island, o menor dos Estados americanos, na costa leste do país.
Durante a entrevista, ele revelou que soube com antecedência do golpe de
1964, informação que ocultou nos livros e também nos diários que
escreveu sobre o Brasil, consultados pela reportagem dias antes da
visita, na Universidade de Brown. Todo seu arquivo pessoal foi liberado
no final do mês passado.
Skidmore
jantou no Rio com o embaixador americano Lincoln Gordon um dia antes do
golpe, em 31 de março de 1964. "Ele foi passar um telegrama para Lyndon
Johnson [presidente dos EUA] contando as novas e pedindo que o governo
americano reconhecesse o novo regime. Ele disse que tinha ganhado."
Amigos
No esforço de
tentar driblar um dos efeitos mais nefastos da doença --a perda da
própria identidade, o americano escreve suas memórias sobre os
brasileiros que lhe ajudaram a desvendar o Brasil.
"Tudo o que
escrevi não era uma explicação ou interpretação minha, de gringo, mas de
meus amigos brasileiros", conta. "Meu conhecimento do país vem todo
deles. Não é à toa que a amizade é uma das mais fortes características
do Brasil." São nomes como o cientista político Hélio Jaguaribe, o
jornalista Francisco de Assis Barbosa (1914-91), o advogado e político
San Tiago Dantas (1911-64), além do editor Fernando Gasparian (1930-06),
do historiador Caio Prado Júnior (1907-90) e do ex-deputado e
jornalista Márcio Moreira Alves (1936-09).
Autor de
livros clássicos da historiografia brasileira, como "De Getúlio a
Castelo" e "De Castelo a Tancredo", que contemplam o que de mais
importante aconteceu no século 20, e "Preto no Branco", estudo da
questão racial, Skidmore teve grande influência na escrita da história
contemporânea do país.Enquanto intelectuais e historiadores brasileiros
estavam exilados durante a ditadura (1964-85) ou mais interessados no
Brasil Colonial, ele encontrou terreno fértil e acesso a fontes
privilegiadas para contar, diz, o nascimento do Brasil contemporâneo.
"Muita gente
pensava o Brasil nos EUA na lógica comunista-anticomunista, o que é um
erro". Incentivado por Harvard, ele trocou a história da Alemanha e do
nazismo pelo Brasil, integrando uma geração de americanos especialistas
em países da América Latina formados após a Revolução Cubana.
As
universidades incentivavam e o fenômeno virou até política de Estado da
Casa Branca. O americano se irrita sobre o assunto: "Sou um produto de
Harvard, não tenho nada a ver com o Departamento de Estado ou com a CIA,
como muitos pensam". A primeira viagem ao Brasil, aos 29 anos, ocorreu
dias após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
"Tive o
privilégio de chegar ao Brasil num momento crucial da história", disse.
"Isso foi decisivo." Ainda lúcido --a fase inicial do Alzheimer começa
por afetar a memória recente--, Skidmore recebeu a Folha com vinho
branco, que ele diz beber todos os dias.A mulher, Felicity, 76, que mora
na casa de praia da família em Westerly, o visita todos os dias, além
de algum outro amigo americano.Ele diz que ainda está tentando entender
seu "novo mundo". "Entrei em uma nova realidade, que é diferente de tudo
o que eu conhecia", diz. "É um mundo de mulheres que cuidam de velhos."
Fonte: Folha Online (Foto: Lucas Ferrez/Folhapress)
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